As razões decorrem da soma de evidências: de
um lado, estudos clínicos (Wahid et al, em Southeast Asian Trop Med Public
Health, vol. 31, nº.2, june 2000) e de microscopia eletrônica (MIGOWSKI,
E. Uso de Antitérmicos em Doenças Infecciosas Virais. Encarte Abbott do Brasil,
2002) que demonstram cabalmente o fato da dengue tratar-se em síntese de uma
hepatite, isto é, os 4 tipos de vírus da dengue determinam um quadro clínico de
importante inflamação do fígado, fato que verificamos cotidianamente com a
dosagem seriada das transaminases ALT (TGP) e AST (TGO) em níveis médios acima
de 100 U/L na evolução de pacientes com dengue.
De outro lado, estudos farmacocinéticos mais
recentes que indicam a urgência em se alterar a classificação RAM - (Reações
Adversas Medicamentosas) - do Paracetamol, hoje catalogado apenas como RAM-A
(isto é, capaz de causar lesões hepáticas apenas na dose-dependência acima de
4g/dia, na lógica das reações de síntese sulfatação e glucuronização), também
para o grupo RAM-B (lesões não-dependentes da dose do fármaco), uma vez que na
dengue o fígado deixa de produzir a glutationa ("Comissão de
Fármacos" da Academia Americana de Pediatria - AAP - analisando a
toxicidade do paracetamol em crianças. Este estudo é encontrado na edição
brasileira da Revista médica "Pediatrics", vol.6, nº 2, 2002, páginas
de 79 a 83) seguindo-se então uma série de reações em cascata de enzimas
microssomais intracelulares, que na ausência da glutationa levam a lise maciça
de hepatócitos.
EA glutationa é um peptídeo endógeno
secretado pelo fígado normal que neutraliza o metabólito reativo do paracetamol
(para-amino-benzoquinona-imino) gerado na via oxidativa do Citocromo P-450
CYP2E1, e uma vez não ocorrendo este bloqueio pela baixa de síntese de
glutationa, ocorrem extensas áreas de necrose no fígado, muito semelhantes às
encontradas na febre amarela. Trata-se de um processo que não é
dose-dependente, bastando a simples presença do paracetamol em organismos
geneticamente sensíveis, ou seja, maus produtores de glutationa ou a
coexistência de fatores que exacerbem a atividade desta via oxidativa
(como doença viral por exemplo) para que esta reações da chamada 3ª via
-CYP2E1- sejam desencadeadas. No momento já ultrapassamos uma centena de óbitos
em todo país devidos à síndrome do choque da dengue, dengue hemorrágica ou
dengue com complicações, e é evidente que todos os casos de má evolução
compreendem os pacientes que já apresentavam alguma doença crônica de base
(cardiopatias, diabetes, hipertensão arterial sistêmica, hepatites virais,
pneumopatias, doenças auto-imunes ou neoplasias, obesidade mórbida, etc..)
em que o fígado já se encontrava afetado e não suportou a ação hepática
do vírus da dengue, ou então os casos em que os pacientes utilizaram o
paracetamol ou pior, ambas as situações citadas. Isto tem um nome específico:
Dengue Agravada por Iatrogenia! E assim as Autoridades da Saúde tem
abdicado do seu dever de zelar pela integridade e pela proteção da vida da
população, e se estivessem realmente atentas a estas questões já deveriam há
muito terem intervido, no mínimo por prudência, suspendendo a indicação do
paracetamol na dengue até que tudo seja devidamente esclarecido.
Estudo publicado no JAMA (“Aminotransferase
Elevations in Healthy Adults Receiving 4 grams of Acetaminophen - Paracetamol -
Daily”, Paul B. Watkins ET AL em 2006, n° 296:87-93) mostrou que o uso do
paracetamol em pessoas consideradas saudáveis, durante 1 a 2 semanas, determina
ocorrência de hepatite medicamentosa na imensa maioria dos pacientes, mesmo em
doses consideradas terapêuticas, isto é 4g diárias. Hoje sabemos que o
indivíduo acometido pela dengue se encontra clinicamente com hepatite pela
ação hepatotrópica característica do vírus da dengue (que é do gênero flavivírus,
como também o são o vírus da hepatite C e o da febre amarela), e uma vez
medicado com paracetamol iniciará a superposição de mais um quadro de agressão
ao fígado, agora pela ação da própria droga, reconhecidamente das mais
agressivas a este órgão em uso na atualidade, e assim resultando em hepatite
medicamentosa. Os riscos são muito evidentes: alto grau de inflamação e
necrose hepática levando à disfunção importante do fígado que redundará em
baixa de albuminemia, baixa de fatores de coagulação, liberação de substâncias
vasoativas como interleucinas, fator de necrose tumoral, etc.. Que provocarão
extravasamento plasmático para cavidades, colapso circulatório e hemorragias.
A divulgação e alerta não só às autoridades
sanitárias, mas principalmente do ator principal e maior interessado que é a
população, cujas vidas se encontram em permanente risco. Só tem sido possível graças
ao fantástico veículo democrático de comunicação direta que é a internet,
através de blog específico para este fim e que já atingiu mais de 178.000
visitas. São pessoas de todos os cantos do país, e muitas mesmo de outors
países do cone sul, que assim podem usar esta ferramenta para acompanhar a
marcha da epidemia de maneira direta, clara e objetiva, inclusive interagindo
com perguntas e formando elas próprias uma opinião sobre este grave
problema de saúde pública. Assim ocorre uma discussão aberta, com a
participação de todos, mostrando que o consenso não envolve nenhum outro
tipo de interesse que não seja o bem comum. Não é uma questão sectária ou
ideológica, transcende a visão alopática ou homeopática, deve ser analisada
estritamente do ponto de vista médico e científico. É a realização na
prática, do sagrado direito do acesso às informações de relevância e de
interesse de todos os cidadãos brasileiros, direito este garantido
constitucionalmente.
São muitos e complexos os fatores que tem contribuído
para este estado de negligência, imprudência, e imperícia. Creio que um dos
mais importantes seja a acomodação das nossas instituições de Estado e das
cabeças pensantes do nosso país, em relação à dependência externa de protocolos
terapêuticos anacrônicos que historicamente foram sendo impostos em questões
internas do nosso país, envolvendo endemias e epidemias, e que passam
necessariamente pelo viés socioeconômico, acabando por afetar a saúde de nosso
povo. Esta dócil subserviência terceiro-mundista acabou por paralisar nossa autocrítica
em relação a uma patologia genuinamente tropical. E assim sendo nossa
experiência no manejo destes casos, que deveria ser levada em grande
consideração, nunca foi devidamente avaliada. Cruzamos os braços, ligamos nosso
cérebro no automático, e nos deixamos levar por clichês terapêuticos importados
que foram ficando cada vez mais absurdos, perigosos e insensatos, mas seguidos
à risca, como é o caso da classe médica achar viável ou possível receitar
paracetamol na dengue! E já passou da hora do basta.
(Renan Marino, professor da FAMERP-Faculdade
de Medicina de São José do Rio Preto/SP).
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